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Thiago Stivaletti

Na era de ouro das novelas, Francisco Cuoco era o nosso herói imperfeito

Ele poderia ser apenas um galã, mas seus personagens tinham defeitos e complexidades que o tornavam mais interessante

A imagem mostra um homem com um turbante escuro e um terno claro. Ele tem uma expressão séria e está olhando para frente. O fundo é desfocado, com cortinas que sugerem um ambiente interno.
Francisco Cuoco em cena de 'O Astro' (1977) - Divilgaçao IMDB/Divilgaçao IMDB
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São Paulo

Morreu Francisco Cuoco, o último dos nossos grandes galãs. Sua carreira foi tão imensa que é até difícil resumi-la em qualquer texto. Ele era lindo, magnético, viril, de olhar penetrante, o perfeito galã que até Hollywood se orgulharia em ter. Mas seus personagens eram falhos, cheios de ambiguidades, e levavam a sua figura para muito além do romance com as mocinhas.

Quando Cuoco chega à Globo, em 1970, já tinha uma extensa carreira em outras emissoras. Já tinha estrelado na Excelsior a novela mais longa já feita no Brasil, "Redenção" (1966), que durou mais de dois anos e quase 600 capítulos.

Sem planejar, ele se tornou o protagonista mais frequente da maior autora de novelas desse país, Janete Clair. Só é preciso citar três personagens para dar a dimensão de quanto ele marcou o público: Cristiano Vilhena, o jovem do interior corrompido pela cidade grande em "Selva de Pedra" (1972); Carlão, o taxista ambicioso que não abre mão da fortuna que caiu em suas mãos, em "Pecado Capital" (1975); e Herculano Quintanilha, o vidente trambiqueiro que enganava todo mundo com seu carisma, em "O Astro" (1977).

Como se pode deduzir desse trio, Janete não escrevia galãs bobos e românticos para Cuoco. Eles viviam dilemas profundos e arrastavam o público com eles. E antes, ainda houve Gigi, um típico emergente, dono de uma rede de supermercados em "O Cafona" (1971), de Bráulio Pedroso. Uma galeria invejável, que quase incluiu Roque Santeiro, se a ditadura não tivesse censurado a primeira versão da novela em 1975. Betty Faria seria sua Viúva Porcina, mas os papéis ficaram com José Wilker e Regina Duarte dez anos depois.

Como uma criança dos anos 80, Cuoco fez parte dos meus pesadelos em uma das novelas sinistras que a Globo produziu naquela década. Ele era Paulo e Denizard, dois sósias que se encontravam só no meio da história, em "O Outro" (1987), de Aguinaldo Silva. Um era um empresário elegante e retraído, o outro o dono de um ferro-velho suburbano, meio cafajeste. O primeiro encontro dos dois é de uma força que não sai da memória.

O melhor destino de um galã depois dos 50 é se livrar dos papéis mais tradicionais e explorar personagens que a sua beleza não lhe permitia viver. Foi assim que, em suas últimas décadas de trabalho, Cuoco teve oportunidades de mostrar o seu talento cômico longe do protagonismo, como o Pai Gaudêncio de "Da Cor do Pecado" (2004) ou o empresário novo-rico Olavo de "Passione" (2010).

Como todo grande ator, Cuoco era também um homem de teatro, tendo atuado com Fernanda Montenegro, Ítalo Rossi e outros gigantes da nossa dramaturgia. Só no cinema talvez não tenha tido o espaço que merecia.

E que lindo que a Globo fez a homenagem merecida a ele na série "Tributo", num programa que foi ao ar há poucos dias. O trabalho de pesquisa precioso encontrou até uma entrevista que ele deu no Teatro Municipal de São Paulo, no auge da fama, enquanto uma multidão se amontoava do lado de fora para vê-lo. Disponível no Globoplay, é uma homenagem emocionante e merecida a um homem que ajudou a elevar a novela brasileira a outro patamar.

Thiago Stivaletti

Thiago Stivaletti é jornalista e crítico de cinema, TV e streaming. Foi repórter na Folha de S.Paulo e colunista do UOL. Como roteirista, escreveu para o Vídeo Show (Globo) e o TVZ (Multishow)

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